Raquel Júnia (27/01/2012) -
Durante o Fórum Mundial da Educação, educadores debatem como abordar a
justiça ambiental a partir de uma perspectiva crítica
Justiça ambiental: as práticas educativas para a
construção de outro mundo possível foi um dos temas debatidos durante o Fórum
Mundial de Educação Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental, realizado em
Porto Alegre, de 24 a 29 de janeiro. Para o professor brasileiro Moacir
Gadotti, do Instituto Paulo Freire, presente no debate, no cotidiano da
educação é preciso deixar claro que as soluções propostas pelos organismos
internacionais e pelas grandes economias capitalistas para salvar o planeta da
crise ambiental e econômica não são válidas. “Os países ditos desenvolvidos
abusaram da pegada
ecológica e não conseguem hoje assumir essa dívida. Mas isso não significa
que devemos assumi-la como querem as soluções neocapitalistas apresentadas por
esses próprios países. A economia verde é uma falsa solução para os problemas que
vivemos hoje, é preciso ficar claro que ela não conseguirá tirar a humanidade
da rota de destruição”, ressaltou.
Segundo Gadotti, sem questionar profundamente o
atual modo de produção não será possível resolver a grave crise que o mundo
enfrenta hoje. O professor defendeu a necessidade de politizar a questão
ecológica dentro dos espaços de educação formais e não formais. “Estamos diante
de uma grande oportunidade de introduzir esse tema nas escolas e fazermos uma
educação também mais transformadora e popular, porque as escolas hoje estão
esvaziadas de política”, observou. Gadotti lembrou Paulo Freire — com quem
trabalhou diretamente — dizendo que, se ele estivesse ali presente, certamente
falaria de política e defenderia a politização da questão ambiental. O
professor comentou que o último texto escrito por Freire falava justamente da
“ecopedagogia”. Gadotti enfatizou a necessidade de discutir justiça ambiental
juntamente com justiça social, já que os dois conceitos não existem
separadamente. “A prática educativa que queremos deve visibilizar,
conscientizar, desfetichizar, assim como fizeram os negros, os sem-terra, as
mulheres, os homossexuais, colocando no palco da história todas essas
opressões”, reforçou.
Também presente na mesa de discussão, o professor
espanhol Fernando Ballenilla falou sobre a necessidade de os próprios
educadores conhecerem a fundo a situação atual do planeta para conseguirem
realizar uma educação crítica. O professor faz parte da Red IRES, um movimento
de educadores a favor de uma formação crítica, que tem entre suas atribuições o
estudo da realidade atual. Ele apresentou os estudos feitos pela rede sobre a
dependência mundial do petróleo, o declínio da produção petrolífera nos
principais países produtores e as consequências que isso poderá trazer para a
humanidade, como a escassez de alimentos devido à ocupação de terras para a
produção dos biocombustíveis. “Temos um desafio enorme e pouco prazo porque
este modelo está com a data de validade muito próxima de vencer. Para
enfrentarmos esses desafios na educação temos que criticar o modelo tradicional
de escola, mas não a partir de uma crítica tecnológica, que é a principal
crítica que tem sido feita. Não podemos conceber o espaço educativo como mero
reprodutor de conteúdos, precisamos trabalhar na escola como pesquisadores,
trazendo os temas socioambientais relevantes, com uma perspectiva democrática,
participativa, crítica e solidária”, argumentou.
Práticas educativas
O educador italiano Alessio Surian chamou a atenção
para a necessidade de reconhecer os limites da escola que não dialoga com seu
entorno. “Não podemos pensar que tudo que existe dentro da escola é educação e
que o que está fora da escola não é. Se não existe uma ponte entre fora e
dentro, precisamos pensar na necessidade de reformar essa escola”, pontuou.
Para o professor, há três princípios que precisam nortear os processos
educativos e que são pontes entre a educação formal e não formal. Ele os chama
de coprodução, coevolução e coaprendizado, e os define como princípios que
estão relacionados à legitimidade de um conhecimento que é produzido
coletivamente, ao dinamismo das práticas educativas a partir do reconhecimento
das diferenças e da possibilidade de mudanças constantes.
Alessio Surian também esmiuçou durante o debate
ferramentas para ajudar os educadores a colocarem em prática essa outra
proposta de educação a partir da discussão da justiça ambiental. Entre elas,
ele apontou a apresentação do conceito de pegada ecológica. “A pegada ecológica
é uma forma de tomar consciência de tudo o que estamos fazendo, consumindo,
despejando na natureza. Podemos traduzir isso em termos energéticos, simbolizar
em hectares, o que o torna uma das formas mais concretas e pedagógicas para
tomar consciência da justiça ambiental”, explicou. Outras ferramentas citadas
pelo professor são a Carta da Terra e a elaboração de uma linha do tempo que
defina quais são as relações, as responsabilidades individuais e coletivas
“para transformar o pessimismo do presente no futuro desejado”. Além disso,
Alessio considera que um outro caminho é o próprio compartilhamento de
ferramentas entre os professores e ainda a difusão das declarações já
existentes dos direitos humanos, apesar das inúmeras contradições e
impedimentos desses mesmos direitos. “Há um processo ratificado pelo Brasil e
por quase o mundo inteiro, com um marco normativo que diz que todos têm que ser
consultados pelas escolhas que vão afetar o meio ambiente e a economia”,
lembrou.
Para a educadora de Burkina Faso Aminata Diallo
Boly é preciso aceitar que a educação é um processo de longo prazo, que
compreende também as relações culturais e históricas. Aminata contou sua
experiência com a educação de populações nômades no continente africano.
“Entendemos que é necessário permitir a essas populações se integrar e fazer um
estudo das necessidades educativas delas com uma reflexão crítica
permanentemente”, disse. A professora criticou a visão equivocada, segundo ela
muitas vezes difundida, a respeito dos processos de educação não-formal, que os
consideram um espaço “para os páreas ou as pessoas que não têm futuro”. Segundo
Aminata, há muitos desafios no processo educativo em curso na África. “Hoje há
uma explosão dos sítios de ouro, o que é um inferno para o sistema educativo,
pois famílias inteiras migram para esses sítios constituindo outras demandas
por educação”, exemplificou.
Fórum Social Temático
O Fórum Mundial de Educação faz parte das
atividades do Fórum Social Temático Crise Capitalista Justiça Social e
Ambiental, que está sendo realizado em Porto Alegre, de 24 a 29 de janeiro. O
Fórum reúne milhares de pessoas em centenas de atividades, muitas delas
abordando as preocupações com a Rio +20, a Conferência que acontecerá em junho,
no Rio de Janeiro organizada pela ONU 20 anos após a ECO 92. Várias atividades
do Fórum têm se posicionado contra o documento preliminar oficial da Rio + 20 , que aposta na
economia verde como solução para a crise ambiental. O FST é uma das edições
descentralizadas do Fórum Social Mundial, previsto para 2013.
Publicado por:
Heber Odahyr
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